Aula 9 - História - Licenciatura - Primeiro Semestre - Sociedade Brasileira e Cidadania: Como combater nosso racismo?
"A questão central é que a sociedade moderna brasileira foi formada com base nessa estrutura racializada, que não reconhecia que negros e indígenas tivessem a mesma natureza humana de todos, tampouco seus direitos civis e religiosos."
O Brasil racista: Os casos de racismo no Brasil são muitos, e grave. Não é verdade quando alguém diz: o Brasil não é racista. É sim, e as principais vítimas são jovens negros. A indiferença diante do assassinato de jovens negros de periferia é alarmante. "...segundo a pesquisa da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e do Senado Federal, que evidencia que 56% da população brasileira considera que “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco” (ONUBR, [2017?]).
O racismo é crime no Brasil, mas...
O fato de o racismo ser crime no Brasil não intimida muitos racistas. Há ímpetos racistas latentes em nossa sociedade, que pena algum o impete de aflorar pelas redes sociais.
"...no Brasil também tem sido permeada de duras manifestações racistas por meio de xingamentos, humilhações de todo tipo, pichações, violência psicológica e física contra os negros e outros grupos vitimados por esse fenômeno..."
Violência contra os índios: "O Relatório Violência contra os Povos Indígenas, de 2016, confirma que houve um aumento de diferentes tipos de violência contra essa população em comparação com 2015 (CIMI, [2017?]). A verdade é que crimes desumanos continuam a acontecer, em especial contra as lideranças indígenas."
Sobre o que é racismo - As raizes do racismo são antigas e profundas, na sociedade brasileira tem suas raizes no sistema colonial, portanto são raizes antigas e profundas; o "racismo pressupõe diferença e hierarquia entre as “raças” branca, negra e amarela do gênero humano. Um requisito básico para enfrentarmos essa questão é nos basearmos na formação histórica desse fenômeno e sua imbricação com as desigualdades produzidas e reproduzidas no país."
O racismo não é algo natural: "O racismo não é algo natural, que deve ser considerado uma “essência” imutável do funcionamento da sociedade brasileira e de sua mentalidade predominante. Pelo contrário, o racismo foi construído historicamente por relações sociais, e da mesma forma que se reproduz no tempo, também pode ser combatido e, quem sabe, eliminado."
Estruturação do racismo: A estruturação do racismo no Brasil começa na relação dos colonos portugueses com os indígenas. Como sabemos, essa relação se apoiou "...na construção das diferenças e hierarquias demarcadas em relação aos costumes, culturas, línguas, religiosidades dos nossos povos originários..." A concepção hegemônica da história do Brasil, como se apenas tivesse começado depois da “descoberta” pelos portugueses – já que, aqui, habitavam povos “sem história” e “sem cultura” – é exemplo claro dessas hierarquias estabelecidas.
Racismo pela religiosidade: No sistema colonial, o racismo assumiu caracteristicas religiosas. Foi discutido se a naturaza - cristã ou não -dos índios. O objetivo era saber qual política adotar diante deles. Foi consignado que os nativos "nem hereges nem pagãos, mas povos gentis – cristãos por natureza, que deveriam ser convertidos à fé cristã –, não foram reconhecidos como sujeitos em condição de igualdade com os portugueses."
Violência contra os índios: "...a população nativa não foi nem um pouco poupada de tentativas de recrutamento para o trabalho forçado, de muitos outros tipos de violência – inclusive de abuso sexual e estupro das indígenas – nem de massacres continuados, para não dizer de tentativas de extermínio que certamente perduram até hoje – não sem a resistência contínua desses povos, é claro (LEWIS, 2019)."
O regime de escravidão: "base da economia agrária de exportação colonial, foi outro importante fator histórico estruturante do racismo na nossa sociedade. O historiador Luiz Felipe de Alencastro (2000) fez um estudo de referência para entendermos o que ele chama de “trato dos viventes” e sua importância para formação econômica e cultural do Brasil, evidenciando como a escravidão penetrou nas dimensões mais íntimas do funcionamento da sociedade e do Estado. Conforme explica, o Brasil foi o principal importador de escravos das Américas, ou seja, fez funcionar por séculos a migração forçada de cerca de 5 milhões de africanos!"
"...mesmo após o tráfico negreiro ser declarado ilegal pela Inglaterra, no início do século XIX, o Brasil simplesmente ignorou essa lei e continuou importando e escravizando os negros que aqui chegavam"
Superioridade racial: “sentimento de superioridade racial” dos portugueses e sua intrínseca relação com o pioneirismo de Portugal no comércio escravagista e na exploração sistemática do trabalho dos negros por mais de três séculos (BOXER, 1981, p. 254). Para Boxer, o Império Português, em todas as suas colônias, foi estruturado por meio de “barreiras raciais”. A prática da discriminação racial era onipresente e se justificava ideologicamente pela associação entre “pureza da alma” e “brancura da pele”, colocando os portugueses na posição de proprietários e detentores do poder político, ao passo que os negros e indígenas eram considerados unicamente como objetos de exploração e dominação. Boxer ressalta também que mesmo os mulatos, de “sangue misturado”, sempre ocuparam um lugar rebaixado na sociedade colonial portuguesa por causa da cor da pele (BOXER, 1967, p. 104).
Racismo estrutural:
Fim do racismo legalizado: A questão racial se complexifica quando, em 1888, é abolida a escravidão e, em 1889, é inaugurado o regime republicano, que reconhece a igualdade formal de direitos entre negros e brancos. A partir de então, o racismo deixa de ser legalizado.
Racismo camuflado: Após o fim da escravidão, o fator ideológico foi usado para justificar a sua reprodução. Isso porque a igualdade formal de direito tem como contrapartida tornar o racismo “mais insidioso” e camuflado uma vez que pressupõe que o negro, mesmo tendo sofrido um sistema secular de exploração e opressão, parte de bases iguais para competir na sociedade de classes, ou seja, é como se esse grupo social estivesse em condições de igualdade com o branco para competir por uma vaga de trabalho, para entrar e se manter no sistema escolar, entre outros fatores.
O historiador Florestan Fernandes critica veementemente o que ele chama de “mito da democracia racial”, bastante arraigado na nossa sociedade, por construir a ideia de que o Brasil, diferentemente de outras sociedades, é menos preconceituoso, mais aberto à miscigenação de raças e culturas. Na opinião de Fernandes, essa ideia, defendida por Gilberto Freyre (1900-1987) como uma herança positiva do colonialismo português (FREYRE, 1958), é retrato de uma sociedade que aparenta “ter preconceitos de ter preconceito”, porém ratifica as desigualdades raciais criando “um consenso de que certas posições [de maior renda, prestígio social e poder] pertencem ao branco” (FERNANDES, 2008, p. 309 e 437).
"Não faltam estatísticas para comprovar as desvantagens que os afrodescendentes enfrentam na estrutura de emprego, qualificação educacional, distribuição de renda e riqueza, entre outras dimensões da sociedade brasileira."
Políticas afirmativas: As políticas afirmativas são de grande importância para reparar injustiças historicas. Nessa sociedade de desiguldades raciais e de profundas injustiças sociais.
"Moehlecke (2002) nos explica que as ações afirmativas surgem nos EUA, na década de 1960, em decorrência das reivindicações dos movimentos dos direitos civis – sobretudo impulsionados pelos movimentos negros – para promoção da igualdade de oportunidades."
As políticas afirmativas não são coisas do Brasil, elas foram implantadas em diversos países com o objetivo de combater a descriminação e as desigualdades de grupos historicamentes excluidos
"Além dos negros, essas políticas contemplam as mulheres e as minorias étnicas, religiosas, linguísticas, nacionais. O foco dessas ações é principalmente: mercado de trabalho, a promoção de funcionários, o sistema educacional ( principalmente superior ), representação política, representação nos meios de comunicação e incorporação do quesito cor nos sistemas de informação"
"Princípio de igualdade" e "privilégios" - As cotas no ensino superior foram alvo de várias polêmicas e muitos debates, por supostamente quebrarem o "princípio da igualdade protegido pela Constituição e de supostos “privilégios” conferidos aos beneficiários das cotas."
Argumentos desconstruidos: A polêmica foi parar no STF ( Superior Tribunal Federal ), e os argumentos contra as cotas foram totalmente desconstruidos. O plenário declarou a constitucionalidade das cotas
"Na ocasião em que foi discutida a constitucionalidade das cotas nesse Órgão, foi convocada uma audiência pública na qual diversos intelectuais e especialistas no tema racial, a favor e contra as cotas, foram chamados para se pronunciar. "
Mais sobre o julgamento:
A persistência da diferença - Há inúmeros dados que explicam a discriminação contra negros e indígenas, e a persistência da diferença de escolarização entre branco e negros.
Aplicação das cotas: Na prática, trata-se de aplicar o “binômio distribuição-reconhecimento” (SILVÉRIO, 2012, p. 22) e “tratar de maneira desigual um problema gerado por uma situação desigual” (ALENCASTRO, 2012, p. 30). Hoje, essa política foi implementada por diversas instituições de ensino superior no Brasil, públicas e privadas, nos concursos públicos, no mercado de trabalho (ZONINSEIN; FERES, 2008),
As principais motivações que sustentam a política de cotas raciais:
1 - Motivação: A representação:
após mais de 300 anos de escravidão, a comunidade negra exige uma compensação inequívoca pela tragédia da escravidão. Garantir o acesso ao ensino superior, pelo menos para um pequeno contingente de descendentes de africanos escravizados no Brasil, é uma das tantas formas possíveis de reparação
2 - Motivação: Cobrança de um direito:
"...mesmo depois de abolida a escravidão. A Constituição da República de 1988 assegurava um tratamento igual a todos os cidadãos, no que diz respeito aos serviços públicos oferecidos pelo Estado, entre eles, o acesso ao ensino gratuito. Após mais de um século de república, a desigualdade de participação no ensino superior da comunidade negra é escandalosa e, sob este ponto de vista, as cotas garantem um direito mínimo de participação..."
3 - Motivação: Enriquecimento do saber
"...diz respeito especificamente à dinâmica da instituição universitária: a presença de negros e índios enriquecerá a produção de saberes e forçará uma revisão do eurocentrismo subalternizante e absoluto que marca a vida universitária brasileira..."
4 - Motivação - Intensificação da luta contra o racismo
"...a intensificação da luta antirracista no Brasil. Propor as cotas é abrir a discussão até agora silenciada, sobre a sociedade racista em que vivemos. (CARVALHO, 2005, p. 110)"
"O combate ao eurocentrismo e o ensino de história da África e dos povos indígenas também se inserem nessa frente de combate ao racismo no Brasil"
Sobre a Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003), que declarou a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio e, posteriormente, a Lei nº 11.645/2008 (BRASIL, 2008), que incluiu os indígenas:
Estabeleceu-se a implementação de um novo currículo escolar que contemplasse:
1 o combate aos estereótipos, às mistificações funcionais, à discriminação e à exploração dessas populações;
2 o estudo da atuação dessas populações como sujeitos e protagonistas de sua própria história. Conforme explica Carvalho (2005)
Desconstruir a história construida pelo eurocentrismo: "Para
desconstruir essa narrativa histórica contada a partir do ponto de vista dos dominantes, há um esforço sendo feito de reconstrução da história dos países colonizados a partir da perspectiva dos colonizados, dos sujeitos subalternos e suas lutas, com destaque ao seu papel ativo como protagonistas dessa história."
desconstruir essa narrativa histórica contada a partir do ponto de vista dos dominantes, há um esforço sendo feito de reconstrução da história dos países colonizados a partir da perspectiva dos colonizados, dos sujeitos subalternos e suas lutas, com destaque ao seu papel ativo como protagonistas dessa história."
Para contarmos a história a partir da visão dos dominados, é muito importante conhecemos as frentes de resistência e transformação dos movimentos indigenas e negros. A partir da década de 70 esses movimentos começaram a se destacar:
Movimento indígena: "há diversas organizações espalhadas pelo país que também se articulam em nível regional e nacional. Para Matos (2006), esses movimentos contribuíram para a construção de uma “nova imagem social de índio reconhecido como sujeito político da sociedade civil brasileira” (MATOS, 2006, p. 40). A autora ainda destaca a complexidade desses movimentos, que abrangem desde ações coletivas e enfrentamentos diretos pelos indígenas a esferas de institucionalização de representação política, no formato de organizações não governamentais (ONGs), partidos políticos e gestão administrativa nas instituições.
Diversos líderes indígenas ganharam destaque no país, mas sabemos que eles também são alvo privilegiado de assassinatos. Conforme Matos (2006), esses líderes assumem o papel de articuladores, gestores, representantes políticos em esferas públicas, sobretudo de “tradutores políticos”, por fazerem “a mediação das relações interétnicas entre as populações indígenas e a sociedade e o Estado nacionais, antes efetuada, principalmente, por indigenistas do órgão governamental (SPI, FUNAI) e indigenistas de organizações não governamentais de apoio aos direitos indígenas” (MATOS, 2006, p. 217).
Movimento negro: também assumem um papel de enorme relevância na sociedade brasileira. A resistência secular à escravidão – na forma política, cultural e religiosa – é central para combater o racismo no Brasil. Desde as primeiras décadas do século XX, esses movimentos tinham uma expressão significativa na imprensa, literatura e construíam diversas organizações com diferentes pautas de atuação: afirmação da identidade negra; presença no poder político, ampliação da visibilidade do negro, dentre outras.
O Movimento Negro Unificado, fundado em 1978, é um exemplo do grau complexo de organização e representação que esses movimentos assumiram no Brasil. Esses movimentos atuam nas cidades, nas suas periferias e também no mundo rural, onde há a população quilombola. É importante destacar o protagonismo das mulheres negras nesses movimentos, que também assumem pautas dando destaque à opressão de gênero da mulher negra.
A atuação desse movimento foi determinante para a implantação das políticas de cotas raciais no país, anteriormente discutidas, além de outras frentes de combate ao racismo. Analistas iluminam o processo de institucionalização e participação no poder público desses movimentos, conquistado após a redemocratização do país (1988), em particular no início do século XXI (RIOS, 2008).
Até estudamos sobre a racismo estrutural no Brasil e formas de combatê-lo. Mas o que é racismo mesmo? Qual a sua definição?
O racismo é uma relação social de opressão e de exploração que compreende um complexo ideológico que naturaliza as relações desiguais e que justifica a subordinação de um grupo social por um outro. Uma relação material de dominação que atinge particularmente as classes subalternas (ou parte delas) e que é parte integrante dos processos de produção e reprodução das desigualdades sociais [...]. Filho primogênito do colonialismo, o racismo é um fenômeno congênito, estrutural, generalizado da sociedade moderna.
É verdade que nas sociedades pré-modernas existiam “situações” parecidas com o racismo, isto é, realidades sociais caracterizadas por uma ligação entre uma posição social subordinada e uma forma de atribuição (física ou metafísica) conferida pelos grupos dominantes às populações dominadas (escravos, estrangeiros, servos da gleba), porém essas “situações” não apresentavam nem um complexo ideológico racista de caráter sistemático (ou seja uma ideologia racista completa e integralmente combinada com o funcionamento do sistema social) nem uma centralidade estrutural do fator “raça” no sistema de organização social. (FERRERO; PEROCCO, 2011, p. 9)
Resistência dos povos indigenas e negros: A resistência dos povos indígenas e negros foi transversal à história do Brasil, mas ainda hoje frentes de resistência continuam enfretando velhos e novos desafios. Essa luta alcançando conquistas importantes, como:
• A política de cotas.
• O aumento da representação desses grupos nas instituições públicas e privadas.
• O aumento da visibilidade nos meios de comunicação e em outros âmbitos.
• A implantação do quesito cor nos sistemas de informação.
O racismo é central para entendermos o funcionamento das sociedades modernas:
"A experiência social cotidiana mostra, sem deixar espaço para equívocos, que a raça é uma realidade. Uma sólida realidade social, psicológica, ideológica, política. A raça é ainda hoje uma categoria plena de significado. E tem importância, e que importância! As raças existem. E são socialmente desiguais. O mundo está de fato profundamente dividido em raças-senhoras e raças-escravas. Especialmente entre a raça branca (“ariana” - ocidental) e as raças não-brancas há uma desigualdade muito evidente, que está inclusive se acentuando.
Além disso, no Ocidente, há anos, o racismo está em ascensão. Em todos os campos e em todas as suas formas. No campo teórico, nas políticas estatais, e até no âmbito popular.
Na vida pública e naquela privada. Em suas formas expressas e latentes, burocráticas e informais. Como racismo biológico-genético e como racismo cultural. E tendo como alvo as populações de países periféricos e as populações europeias mais pobres (os eslavos, por exemplo). (BASSO, 2015, p. 71)
Racismo de Estado: O racismo adquiriu “um caráter explicitamente institucional” (nas leis e atos administrativos, procedimentos burocráticos, entre outros), como uma marca declarada desses Estados, à semelhança dos velhos tempos do colonialismo. Essa atuação racista dos Estados implica uma estratificação e hierarquização do mundo social que é funcional ao sistema econômico vigente.
0 Comentários